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As carambolas da geladeira

06/07/2012 10:07

Hoje quando abri a geladeira, surpreendi-me com um punhado  de carambolas  dentro dela. Foram colocadas pela secretária que num ato de gentileza nos trouxe. Ganhara aquele punhado de frutas, de uma amiga com quem troca esses agrados.  Certamente fora de um sítio, pois estavam bem frescas e amadurecidas do pé; realmente estavam no ponto. Esses compartilhamentos de secretárias domésticas, quase sempre acontecem quando existe uma boa relação com os patrões. Elas fazem isso para nos agradar, e é uma forma de dizer que está satisfeita no emprego. Acontece de ir um bolinho e voltar uma fruta, ir uma fruta e voltar um doce, e por aí elas vão se entendendo. É claro que nem todas fazem isso, mas, a Sandra tinha essa mania. Foi uma pena que tenha se despedido.  O que  chateava era ela querer mandar na casa. Certa vez, bateu a vassoura nos meus pés e me mandou sair da sala e procurar o que fazer, justificando eu está atrapalhando seu serviço. E o melhor é que eu saí com suas ordens e duas vassouradas nos pés. A Sandra era uma figura, e foi a melhor secretária que apareceu até hoje.

Pedi  um suco de carambolas. Sim, porque não se toma um suco destes todo dia, é um tipo de suco que não é do dia a dia. É como, por exemplo, a jabuticaba, o jenipapo, a pitanga; são frutas eventuais, e por isso tem seu momento. Diariamente a gente suporta mesmo é o suco de laranja, abacaxi, maracujá, limonada, caju, frutas assim mais costumeiras; vivemos nos trópicos e a variedade é grande. Mas, por fim, chegou o suco de carambolas frescas; enquanto eu tomava, lembrava de como aqui em Maceió dava carambola que nem chuchu na cerca. Nos jardins das casas e quintais  sempre tinha pés de carambolas da gente chutar na calçada. Porém, o tempo passa, o tempo voa, e as carambolas de Maceió é uma lembrança boa. Aliás, não só as carambolas como também outras coisas, entre elas seus amores e suas morenas.

Certa vez, numa tarde quente de verão, no Farol, fomos tratar de um assunto na casa de um cidadão, e ele nos recebeu em sua varanda numa rede em todo seu conforto doméstico. No meio da conversa, eu o observava vendo nêle um homem realizado. Já aposentado, passava a imagem de quem já cumpriu dignamente sua meta na vida, no que pese hoje em dia os aposentados não estarem em situação muito confortável. Mas, ele estava, sentia-se isso.  Eu ainda jovem, enquanto o ouvia, pensava em minhas poucas aspirações e alguma esperança no peito. Pouco tempo depois, nossa Maceió começou a ficar meio maluca, aquela paz estabelecida em nossas casas não iria perdurar muito. E não deu outra, agora se vê cerca elétrica por todo lado, e morar num bangalô de muro baixo com uma varanda toda aberta virou coisa do passado. Mas, voltando a ele na rede, no meio da conversa, sua secretária chegou com uma jarra de suco de carambolas bem geladinho. Foi bem oportuno o suco, e terminamos a conversa numa felicidade só.

Nossa memória olfativa e degustativa, nos leva a uma lembrança imediata, de algum momento vivido com relação aquela coisa em algum instante da vida. Foi o que aconteceu com minhas carambolas postas na geladeira hoje. Quando as provei e tomei seu suco, percebi de uma forma mágica, que elas tinham alguma coisa a ver comigo, com o meu passado. Elas moravam dentro de mim.

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Ontem na Jatiúca

13/06/2012 20:25


Jasson Ferreira Lima

A  Avenida Amélia Rosa na última noite do dia dos namorados, estava como se fosse a noite de natal, um brilho nas ruas movimentadas, nos bares e restaurantes cheios e embevecidos pela energia do amor. De um amor diferente do amor do natal que é fraternal. Mas amor dos casais, é uma energia também muito forte, e que é a razão de viver das pessoas. A propósito, hoje em dia por uma questão de individualismo ou egoísmo, as pessoas estão se blindando um pouco dos compromissos que o amor trás. Mas quando chega a noite dos namorados, vê-se que isso não é verdade, as pessoas continuam querendo amar, doar-se, e compartilhar um sentimento tão belo que é o gostinho do namoro. Namoro que por sinal, é aquela situação flexível, mais solta e mais gostosa. Tai então uma idéia: porque invés de casar, os casais não deviam ficar eternos namorados? Isso seria fantástico. Mas neste caso, iriam que defrontar-se com a intransigência do amor que insiste numa espécie de obsessão de estar juntos, e não abre mão e nem descansa, enquanto não ver seus reféns juntarem as escovas, e viverem o cotidiano. Essas são as armações de namoro. Então a gente imagina: naquela noite dos namorados todos estavam armando uma situação de juntar-se de vez? Creio que não. Não todos, mas boa parte sim. E os que saírem salvos dessas trapaças do namoro, certamente irão no futuro deparar-se com as armações de um beijo, de um amasso, e de umas mãos entrelaçadas e grudadas feito um imã.
Exatamente numa daquelas esquinas da Amélia Rosa (E como é gostoso uma esquina de um bar!), estava Michel. Sentado sozinho numa mesa, ele fazia o gênero do homem solitário que quase sempre chama a atenção das mulheres. Este gênero é o daquele solitário descomprometido, altivo, independente, de gosto refinado que as mulheres adoram. Na cabeça delas, é um peixão; mas ele mantém-se firme até altas horas ali na mesa, como estivesse a desafiar o amor, como se fosse aquele cara vivedor da noite, frio e implacável na paquera. Era como se zombasse do amor, e que na sua cabeça, jamais fosse surpreendido por ele. E as mulheres sozinhas na mesa diziam: Qual é a desse cara? É mesmo um metido a gostoso. Porém, Michel estava ali dando um tempo pra cair na balada. Lá, ele mostraria suas garras, e estava certo que sua noite iria terminar em alto estilo, num motel. As mulheres só de imaginar isso ficavam irritadiças com Michel; porém, inconscientemente, estavam loucas por um convite a sua mesa. No último gole, ele desiste de ir a balada e pensa: - Hoje é a noite dos namorados; uma coisa que eu sempre gostei foi namorar, e elas sabem disso. Por isso, também sabem que eu gosto de ficar sozinho na mesa fazendo charme. Hoje vou dar uma trégua – e piscou o olho para uma gatosa que já vinha sintonizando olhares aquela altura. Começaram então a conversar e Michel perguntou-lhe: - Gostar é amar? Ou amar é gostar? – a moça respondeu-lhe que não era nenhuma coisa nem outra, pois o amor é incompreensível e surpreendente, e que quase sempre acontece com uma pessoa que você nem imagina. E que namorar não só é um beijo e um amasso, mas também um toque de ternura, um momento de saudade, e o desejo da companhia – Michel ficara abismado com as conclusões da moça, deixando-o até um pouco surpreso.
Leve-se em consideração, que o que acontecera com Michel, o guerreiro das baladas, foi no dia de Santo Antonio, conhecido na tradição católica como o santo do cupido. Bem, se nosso galanteador teve uma trégua de Santo Antonio na festa dos namorados, a moça, por outra, ainda teria a festa de São João para fazer uma simpatia e amarrar seu paquera. Pelo sim ou pelo não, os dois saíram noite adentro. E o que deu nessa história? Bem, nós aqui, ficamos a imaginar, e a dizer: Olha, sabe Deus no que deu!

cronicjf@gmail.com
 

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Um cenário do passado

22/05/2012 08:52

O estilo arquitetônico dos anos 20 era bem presente em Maceió até certo tempo. Acho que no começo dos anos 50, ainda podia se vislumbrar um acervo considerável desta formação arquitetônica de nossa cidade. Uma arquitetura com uma grande influência portuguesa, com certeza. Maceió parecia uma grande lapinha, com sua personalidade própria da formação urbanística original. Aquela coisa meio sem planejamento, e que foi crescendo e se espalhando, mas obedecendo toda uma linha arquitetônica. Era um conjunto harmonioso de rara beleza. Desde Bebedouro até o Comércio, passando pelo Farol e chegando a Avenida da Paz com sua extensão até a Pajussara, era uma paisagem meio européia, entre seu casario e sobrados. Quando olhamos as fotos antigas da cidade, vemos quantos exemplares construídos foram destruídos de maneira muito rápida. Alguma coisa que sobrou, foi devido a seus próprios proprietários, ou posse do governo. Assim, permaneceram intactos. Mas a construção civil sem nem uma regra, passou o trator de esteira em quase tudo, o que é uma pena. Na verdade, em todo país ocorreu isso por não termos mentalidade preservacionista.
Lembrava-me dessas coisas, depois que conversei com uma amiga de rara sensibilidade, quando ela lembrava a casa de seus avós na Pajussara, um bangalô que obedecia todo um estilo daquela orla no passado. Então eu lembrava que essas preocupações com a memória e o patrimônio, são coisas muito recentes aqui em Maceió. Nunca tivemos, na realidade,  políticas públicas em preservar uma cidade charmosa que antes existia. Deixamos, por outra, a cidade ser tragada por uma tal  modernidade, misturando-se o novo com o antigo, o que descaracterizou completamente nossa paisagem urbana. Inclusive, a própria arquitetura conceitual dos novos tempos, não teve nenhum critério em acompanhar um estilo que melhor nos atendesse, e que désse personalidade a nossa urbe. Quiseram copiar uma espécie de estilo Miami, o que não tem nada a ver com nossa cultura, nossas origens, nosso clima e nossas paisagens. Poderiam ter reservado espaços distanciados de nossos acervos, para instalar esse modernismo que contraria  nossa identidade. Um povo que não sabe preservar sua memória é um povo disperso e sem raiz.
Seria muito interessante que quando a gente passasse de barco pela nossa orla, pudéssemos ver aquela paisagem portuguesa de nossas casas e prédios, como estivéssemos avistando algo parecido com a paisagem das cidades portuguesas ainda hoje. Podia-se notar a linha harmoniosa do todo nas construções, obedecendo um só estilo nas suas faixadas. Isso para o turismo cultural seria muito significativo. Mas pagamos muito caro por um erro histórico, por dar as costas a nossa cultura, e pela incoerência. Políticas pela memória surgiram entre nós recentemente. Num país de analfabetos e semianalfabetos, gastar dinheiro com essas coisas é perda de tempo na cabeça de muitos. Mas alguns dividendos perdemos em decorrência disso, além de ter deixado de viver numa cidade charmosa e num cartão postal da civilização que era a Maceió dos anos 40 e 50, com seu conjunto arquitetônico dos anos 20.
Aquele movimento que fora feito para a preservação da Casa Rosada na Pajussara, já fora fruto de um despertar para essa política. Os investimentos que foram feitos em Jaraguá – destacando-se  ali o prédio da Associação Comercial como um exemplar de rara beleza, foi também um acordar para essas preocupações. Não queremos mais, e nem podemos a essa altura, trazer de volta o que se perdeu. Mas, o pouco que foi feito, ou o que venha a se fazer com o que resta, é sempre válido. Nunca é tarde para nada que se queira fazer.

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Hoje o mar não está pra peixe

11/04/2012 09:18

Por quem os sinos bradam? Olha, bradam por muita gente, e gente que muitas vezes nem os escuta. E você pensa meu caro, que existe alguém na bonança pensando em solidariedade, filantropia e compaixão? Quando se vê isso, há alguma coisa no bolso ou na alma. Esses ímpetos de sublimidade brotam no espírito humano quando se está à beira do abismo e do fracasso, ou quando não está chovendo na horta. Também há um momento em que as pessoas se tocam dessas virtudes, são aqueles instantes em que elas recebem de alguém essa mão amiga. Conheço um caso em que dois inimigos se tornaram amigos, pelo fato de um ter socorrido o outro em um acidente automobilístico. Talvez o vitimado tenha pensado: Ele poderia ter me abandonado ali mesmo, no entanto, me socorreu. Esse sentimento de agradecimento gerado pela compaixão do outro fez a auto-superação de toda contenda que havia entre os dois. Como são estranhas essas indulgências culpáveis do foro íntimo... No que pese, sejamos maus na concepção freudiana, também temos uma centelha de bondade. E essa bondade talvez tenha sido a razão da sobrevivência da raça humana até os presentes dias, porque por outra, já teríamos sido uma espécie em extinção.

Tem dias que os sinos não bradam. Aquele, por exemplo, em que não aparece um freguês na porta da quitanda; quando o jornalista procura a manchete ideal e não encontra; ou o momento em que o radialista fica sem assunto e apenas toca música. São instantes de oscilações cósmicas na grande vereda do caminhar, neste incompreensível mundo dos fatos. A acertiva melhor é a de que o tempo leva e o tempo trás, como o fluxo das ondas dos surfistas. Aliás, os surfistas são os filósofos da paciência, pois sabem esperar o momento dos ventos nordeste, o que eles chamam de vento terral. Às vezes fico observando o equilíbrio desses malabaristas das vagas, quando me ocorre está aqui nas imediações do Posto Sete, enquanto tomo uma água de coco e pego um iodo da maresia. Pra nossa felicidade ainda não puseram na embalagem todos os cocos e nem cobram taxa da brisa mar. Nos dias de hoje para sobreviver, muita gente é equilibrista e malabarista na vida como aqueles prancheiros do mar.

A gente vai à praia à noite para arejar-se um pouco. Foi uma frustração medonha o que ocorreu com os pescadores. Eles sabem que o breu da marinha é cheio de muitas surpresas, e que os peixes em certos momentos são muito escorregadios. Enquanto o relógio corria entre um chope gelado e o olhar curioso e confuso de alguns turistas, a rede, pra desgosto da platéia, saiu vazia. Talvez aqueles homens do mar não tenham observado a lua. Aliás, a lua observei e ela não apareceu. Quem sabe, talvez por isso, tenha sido justo motivo de algum gavião não ter pescado alguém?

cronicjf@gmail.com
 

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Um sopro de música no ar

05/01/2012 21:40

Veio-me pela janela, repetidas e insistentes frases musicais, tiradas de um saxofone de certo desconhecido aspirante de músico, residente no quarteirão. Todo dia lá está aquele jovem com seu instrumento inundando a rua com sua arte. No começo, fazia seu sax gemer meio desafinado, o que não era nenhum pecado, afinal, disse certa vez Tom Jobim em uma de suas canções, que no peito de um desafinado também bate um coração. Ultimamente ele teve grandes progressos, pois já consegue articular com certa segurança algumas linhas melódicas. Seu instrumento sopra solitário, levando aos ouvidos da vizinhança a linguagem universal da música, que é sutil, acalentadora, encantadora não só para os homens, mas também para os animais, e creio eu, que até para as plantas.
Lembro-me ainda menino, na porta do salão sede da Banda de Música Municipal, bisbilhotando o ensaio geral. De todos os instrumentos, o que mais me tocava no coração era exatamente o saxofone. Concomitantemente, a tuba com seu contraponto no baixo ainda me dava uma sensação que só os ouvidos mais apurados podem sentir. Somando-se a toda orquestração, aquela base rítmica e segura da tuba e as entradas realçantes dos saxes no dobrado, provocavam-me verdadeiros êxtases no espírito. E eu, ficava ali vendo as broncas que o mestre regente dava nos músicos, na intenção de tirar deles a melhor execução possível. Igualmente, via sua cara de entusiasmo quando eles respondiam no sopro e em harmonia aquilo que estava grafado nas partituras.
Nos últimos tempos, tenho sentido que o ensino da música erudita anda meio capenga. Tenho esperança e me animo toda vez que ouço esse garoto saxofonista do bairro, com sua força de vontade de auto-superar-se e dominar o instrumento nas suas primárias execuções. A formação musical para a juventude é fundamental em seu currículo para a vida, e esse nosso protótipo de Pixinguinha já descobriu isso. Que bom!Ela é como a matemática, ajuda a raciocinar, por outro lado, é disciplinar e é cidadã. Musica nas escolas ajuda a formar cidadãos mais cultos e menos violentos. É um elemento transformador para uma sociedade emergente que aspira dias mais pacíficos e mais alegres. O quê seria do mundo sem as cores e sem os sons? O quê seria do homem se não tivesse descoberto a música? Como bem definiu Victor Hugo, a música é o barulho que pensa. Isso me faz lembrar do saudoso cônego Helio Lessa, quando em um de seus sermões no altar do Livramento, disse: “a música é a única das artes que acompanha a alma do homem para o céu”. Foi bem original essa concepção divina, por parte daquele grande orador sacro de nossa terra, em um de seus grandes momentos de elogios às peças clássicas.


Comenta-se no meio cultural que no Estado de alagoas existe apenas um músico empregado. Que pena... Que esquecimento... logo com um povo tão musical, como todo brasileiro, que tem a música no sangue. É de fato um contra-senso. Lembremo-nos sempre do que fizeram pela música no Brasil esses dois nordestinos pernambucanos, os maestros: Guerra Peixe e Moacir Santos. A nível local, encarnemos-nos no espírito dos maestros Fonfom e Heckel Tavares, os quais com sua batuta alagoana conseguiram reconhecimento nacional. E tantos outros que com ideal e resignação labutam nesta seara por levar as pessoas o conhecimento da boa música. Firmemos bons augúrios para que daqui pra um futuro próximo, tenhamos uma política pública mais voltada ao apoio dos conservatórios; das fanfarras; dos orfeões; e de mais professores especializados nas escolas públicas. Sonhemos com toda essa criançada, dedicando um pouco de sua explosão de hormônios e energia, para essa arte, que é fundamental na complementação da formação de um homem civilizado.

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Primeira Edição © 2011