Aos 78 anos, idosa com Alzheimer se forma no Ensino Fundamental

Terezinha Valim de Souza guardou na memória os registros da sua formatura na Educação de Jovens e Adultos (EJA)

18/07/2023 10:38

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Terra

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Na memória fatigada pelo Alzheimer tem coisas que dona Terezinha Valim de Souza faz questão de não esquecer. São elas: a família, a letra de suas músicas preferidas do cantor Sérgio Reis, a sua professora e o dia da sua formatura no Ensino Fundamental, por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Foi lembrando desse dia que Terezinha, de 78 anos, começou a contar sua história para o Terra

“Você estava lá?”, perguntou, querendo saber se a repórter havia comparecido à sua festa de formatura que ocorreu no dia 30 de junho, cerca de 15 dias antes da realização da entrevista. Ao seu lado, simplificando as perguntas que pudessem soar mais difíceis estava Nely Gonçalves, sua professora e coordenadora de inclusão na EJA de Caldas Novas, Góias. 

Nely nunca tinha trabalhado com idosos diagnosticados com a doença, e confessa: foi um grande desafio. “Foi a minha primeira aluna com Alzheimer. E eu sou professora há 33 anos. Então, foi muito aprendizado na parte teórica e prática da inclusão. E eu também nunca tinha trabalhado vindo em domicílio, como venho aqui”, diz.

Método de ensino

O diagnóstico de Alzheimer veio há seis anos. Dona Terezinha então se mudou para Caldas Novas, no interior de Goiás, para morar na casa de uma filha. Em seguida, já foi matriculada em uma turma da EJA. A família buscava e levava. Na sala de aula, Terezinha era acompanhada por uma professora assistente. 

A família de Terezinha montou uma sala apenas para ela estudar

A família de Terezinha montou uma sala apenas para ela estudar

Foto: Arquivo Pessoal

Com a pandemia, porém, as aulas precisaram ser interrompidas. Nesse período, segundo Nely, foi perceptível um avanço do Alzheimer. Mas tempos depois, em fevereiro de 2022, Terezinha voltou a estudar, dessa vez com a professora indo até a sua casa. 

O início foi marcado também por dificuldades de cunho pessoal, já que o marido da professora chegou a ser intubado com covid-19 no mesmo período. O trabalho com a idosa, porém, se tornou um momento de abstração. “Ele estava lá na UTI e eu aqui com a família da dona Terezinha sendo acolhida. Então isso também foi um grande pilar que nós conseguimos construir aqui”, afirma. 

O foco de Nely durante as aulas é tentar manter a “memória educativa” de Terezinha ativada. Quando criança, ela chegou a aprender a escrever, mas contou que não deu continuidade aos estudos. 

“O importante é eu não deixar que essa aprendizagem dela fosse atrofiada, mas sim que ela fosse alimentada. Esse alimento que eu faço é o da repetição com ela, com as atividades que eu trago”, explica ao mostrar os cadernos de Terezinha, divididos em matemática e português.

Nely percebeu que Terezinha tem facilidade com matemática, e estimula o uso dos números com exercícios usando o calendário. Além disso, pede para que a idosa recorte os preços dos produtos que vem nos encartes do mercado. Também leva atividades de leitura e pintura.

"Eu passo o final de semana pesquisando os exercícios. Quando eu chego aqui, ela fala: 'mas vai fazer tudo isso hoje?'", conta a professora, dando risada. Tem uma atividade, porém, que Terezinha não reclama - pelo contrário, durante a conversa, fez questão de cobrar Nely, por nunca mais ter cantado uma música de Sérgio Reis com ela.

"Eu aprendi muita coisa, ela vinha todo dia para cá dar aula para mim. Ela mora 20 minutos daqui. Mas depois daquela festa, eu não vi ela mais", se queixou dona Terezinha, se lembrando, mais uma vez, da sua formatura.

Primeira Edição © 2011