Era um dia de primavera

01/09/2015 06:43

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Redação

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Deu na TV que praticamente em todo país estava chegando uma onda de calor. Como lá pro Sul era primavera, a temperatura em Porto Alegre naquele dia foi de um ameno 15º, mas as previsões meteorológicas davam um indicativo que iria passar tão logo para os 23º, chegando até aos 27º de lambuja. Naquele período não era normal tal temperatura. Peguei o telefone e quis saber de nossa acrópole maceioense com sua brisa marítima. Falaram-me que o calor havia chegado, e já sentíamos os 31º as 11: OO hs. da manhã. E nós que não somos beduínos do deserto, nem estamos em uma cidade do alto sertão, os 31º já nos incomodava pelo dia, e nossas noites estavam pelos 23º bem agradáveis; era nossa primavera-verão. Desliguei o celular, e com a cortina da janela semiaberta, tirei os olhos da TV. Num encarte em cima da cabeceira da cama, estava escrito uma estrofe de um autor desconhecido que dizia: “Sempre caminho olhando pra baixo; o chão avisa que é primavera nas flores de jacarandá. Penso em preto e branco, mas amo a cor lilás, e novembro. Tirei o meu anel com a pedra preta da gaveta.” Depois de ler esse pequeno trecho, tive um pressentimento de que a semana seria boa; e foi!

Nestes tempos modernos, onda de calor é preocupação para a baixa renda, por que a turma “in”, não está nem aí pra isso. Há uma nova geração de moças e rapazes que fogem do sol para conservarem uma pele hidratada, sem manchas, e clara. E quando são afrodescendentes, manterem uma pele sem manchas e sedosa, mostrando assim uma beleza tropical refinada. Visitam com frequência o dermatologista, e mesmo em Maceió, uma terra bronzeada pelo sol e mar, parecem que vivem em clima temperado. A tecnologia, por outra, também vai ajudando. De forma que, o pessoal mais ou menos vive bem climatizado. É climatização no apartamento todo, no escritório, nas lojas e shoppings, no carro, além de outros acessórios como filtro solar, óculos e película fumê. Na praia, um bloqueador solar fator 60, e uma ducha de água doce refrescante. Para este padrão de consumo, o Sol já perdeu a guerra.

Quando olho para trás e vejo quantos bons serviços trouxeram-nos a modernização, sinto que temos que ser otimistas com o tempo (eu ainda não sou, pela falta de igualdade, e a injustiça). Por que se criamos problemas de convivência humana nestes dias em que vivemos, não admitimos mais sermos aqueles dinossauros do passado recente, antes de termos entrado na era digital. Porém, mesmo com o domínio das previsões do tempo, e uma grande margem de acerto que hoje se tem, a natureza sempre apronta algumas surpresas. Naquela primavera, por exemplo, estava previsto calor e o dia amanheceu sem sol, e com uma garoa refrescante por toda manhã. A paisagem mudou, o jeito do céu fechado tornou a luz do sol quebrada, e tudo parecia de um jeito mais ameno. Então, tomei um café frugal, li o jornal naquela moleza descomprometida. Em seguida, dei um pulinho no mercado público (O de Porto Alegre é  interessante), fui ver algumas iguarias do lugar e sentir a alma da cidade, pois é no mercado público que se ver essas coisas. Depois voltei ao meu retiro e assim terminei a manhã. No meio dia fui a um restaurante de boa mesa, e a hora descambava pela tarde de uma forma perfeita, sem nenhum telefonema nem incômodo de qualquer natureza. No final da tarde, dei uma circulada e me presenteei um relógio, em cima de um dinheiro extra. A noite abraçou-me com carinho, e fui eu em sua brisa entregar-me aos prazeres da da noite. Cogitei ainda na noite que iria escrever uma crônica sobre aquele dia. Reservei-me ao meu mundinho, que por sinal, é bem pequeno. E murmurava a meus botões que naquele dia o mundo estava de bem comigo, e que os astros estavam a me ninar. Quem sabe até aquela chuvinha da manhã resolveu me dar uma mãozinha. Por que encontrei sorrisos de desconhecidos, lembrei com saudade de gente amiga e amizades antigas, daquele tipo que nos energiza. Fiz-me menino dentro do adulto calejado. Mas tudo por obra do acaso, sem planos, de um dia que passou as soltas. Como aquelas alegres, simples, e humildes borboletas amarelas que voavam pra lá e pra cá, em alguns lugares abertos no meio do concreto frio e indiferente. Foi um dia de primavera em que eu estava de alma agradecida; e por uma boa coincidência, fiz essas  reminiscências.

Primeira Edição © 2011