“No País, ainda há mais políticos dignos do que políticos corruptos”

Entrevista: para o professor universitário, Eduardo Magalhães, MPE não se caracteriza por medidas açodadas

11/11/2013 06:06

A- A+

Luciana Martins - Jornal Primeira Edição

compartilhar:

Professor da Universidade Federal, conferencista e profundo conhecedor de política, Eduardo Magalhães afirma que, mesmo no Brasil de hoje, eivado de corrupção e de ilegalidades em todas as esferas da atividade pública, o crime ainda é exceção. “Não é a regra. Há muito mais políticos dignos e honrados do que políticos corruptos”. Nesta entrevista ao Primeira Edição, Magalhães se diz preocupado com a intervenção do Judiciário na Assembleia Legislativa, mas pondera: “Ao mesmo tempo, me causa ainda maior preocupação entender porque o Judiciário chegou a essa medida extrema”. Ainda sobre a crise no Legislativo alagoano, ele projeta para o futuro: “Aqui manda o Povo. Um dia vamos poder afixar uma placa dessas na entrada de nossa Assembléia Legislativa, pode ter certeza”.

O que se divulgou até agora, inclusive o já revelado pelo Ministério Público Estadual, justifica uma intervenção extrema, como houve, na Assembleia Legislativa?

Para dizer a verdade, me causa grande preocupação a interferência radical de um Poder sobre outro. Ao mesmo tempo, me causa ainda maior preocupação entender porque o Judiciário chegou a essa medida extrema.

Em que esse caso de agora diferiria do caso taturana, ambos ocorridos na mesma Assembleia?

Eu acho que é como uma orquestra sinfônica executando uma peça musical clássica: há vários movimentos, cada um com suas características especiais e diferenciadas, ritmos e intensidade variados, mas que inevitavelmente levam a um final apoteótico. O todo termina por ser a soma de seus movimentos. No fim, os envolvidos terminam por ser, todos eles, aves da mesma plumagem.

Em 2007/08, antes da derrubada da Mesa Diretora de então, a Polícia Federal deflagrou uma operação, invadiu a Assembleia, prendeu um monte de gente, recolheu provas. Agora, não. O MPE se precipitou, foi açodado?

Espero que você já tenha notado que não me sinto muito à vontade tratando de um tema que não domino, que não conheço bem, pelo qual sinto muito mais repulsa do que atração, de modo que, lamento que a entrevista pareça tão solta... O MPE jamais se caracterizou por ações açodadas.

Os deputados são ousados demais, desdenham das leis e dos efeitos de seus atos, ou não há como dirigir a ALE de outra forma?

Primeiro não há como generalizar assim. Não são todos os deputados que são ousados demais e desdenham das leis. Em realidade, o inverso deve ser a verdade. Haverá sempre corruptos e detentores de cargos eletivos inescrupulosos. Mas mesmo no Brasil de hoje, eivado de corrupção e de ilegalidades em todas as esferas da atividade pública, o crime ainda é a exceção. Não é a regra. Há muito mais políticos dignos e honrados de que políticos corruptos. Tenho certeza disso.

Sai uma Mesa presidida pelo deputado Fernando Toledo e entra, como tudo leva a crer, uma nova Mesa escolhida pelo grupo de Toledo. O que muda?

Quem sabe qual será a nova mesa a ser escolhida? A Assembléia Legislativa é uma entidade política que age como resultado quase sempre da discussão, do debate, do contraditório e do acordo entre seus membros. Não será diferente desta vez.

Subsídio, verba de gabinete, verba de assessoria, gratificações. O que a Assembleia daqui tem, as outras (e até o Congresso Nacional) têm. Por que, então, aqui é diferente?

E é diferente? O que nós eleitores, cidadãos alagoanos, queríamos é que a nossa Assembleia Legislativa fosse realmente diferente. Fosse realmente o grande fórum de debates das causas de maior interesse dos cidadãos que ela representa. Que fosse a verdadeira Casa do Povo. Na entrada da Câmara de Deputados dos Estados Unidos havia uma velha placa de bronze de mais de 200 anos que dizia o seguinte: “Aqui manda o Povo”. Um dia vamos poder afixar uma placa dessas na entrada de nossa Assembléia Legislativa, pode ter certeza.

Destituição de Mesa, suspensão de mandato, inquéritos, processos e, no final, ninguém vai preso, ninguém é efetivamente punido. Isso não gera mais descrença no sistema?

Há vinte anos eu fiz uma palestra em que identificava dois temas que contribuíam de forma muito negativa para a construção da jovem democracia brasileira: a impunidade e os códigos individuais. A capacidade dos brasileiros de gerar e agir dentro de suas próprias leis individuais, criadas para satisfazer exclusivamente os seus interesses pessoais. Esses códigos individuais terminam inevitavelmente por gerar, produzir e banalizar a impunidade.

A seu juízo, por que casos como esses, da Assembleia, não aconteciam até o final dos anos 80, e agora sucedem com certa frequência?

Simplesmente eles eram mais facilmente acobertados e uma Imprensa desacostumada com a liberdade não tinha o espaço e os meios investigativos capazes de propiciar a oportunidade de ser realmente o quarto Poder do Estado.

Os escândalos, nas prefeituras, câmaras municipais, assembleias legislativas, no próprio Congresso Nacional, se sucedem sem parar. O sistema está decomposto. O que poderia ser feito para mudar essa triste realidade?

Obviamente, algumas alterações devem ser feitas. Uma reforma eleitoral e partidária pra valer é indispensável. Mas essa reforma eleitoral e partidária tem que vir do Congresso Nacional e o nosso Congresso, graças ao seu sistema operacional, ao seu regimento interno, e ao desinteresse pela matéria por parte de um segmento forte de parlamentares não demonstra o menor interesse nessa reforma que pode significar a perda do mandato de muitos deputados.

O senhor acha que a oposição tem chance de assumir o comando da Assembleia, respaldada na indignação da opinião pública? Ou o jogo bruto pelo poder descarta tal possibilidade?

Indignação da opinião pública é pura retórica vazia. Parafraseando Rui Barbosa, de tanto ver triunfar as injustiças, os privilégios, a corrupção, o cidadão se esconde num mundo da apatia, da anomia plena, onde ele é apenas um mero coadjuvante quase invisível. 

Primeira Edição © 2011