“Pouca credibilidade dificulta a negociação dos precatórios”, diz Marcos Bernardes

Advogado chama Fazenda Pública de ‘rainha do calote’ e cobra tratamento com igualdade

27/05/2013 07:16

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Primeira Edição

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Cerca de 25 mil servidores públicos de Alagoas têm crédito trabalhista a receber (chamados equivocadamente de ‘precatórios’), mas o governo diz que não tem como pagar. Para o advogado Marcos Bernardes de Mello, que defende milhares de funcionários, o tratamento desigual desmoraliza o estado de direito: “Quando tem a receber, a Fazenda Pública crava a faca no pescoço do contribuinte; quando deve, entretanto, aplica o calote. A faca deveria ser no pescoço dos dois’.

Em entrevista ao PE, Marcos Bernardes atribui à perda de credibilidade do Estado, no passado, a dificuldade de vender títulos de créditos dos funcionários públicos. Ele garante que pagar ‘precatórios com ICMS de produtos importados é válido porque todos ganham com isso – governo, servidores e importadores.

Como está o pagamento dos precatórios, depois que o Supremo Tribunal suspendeu, em março último, parte da legislação que tratava do assunto?

Não tenho ideia. Somente o Tribunal de Justiça pode dar essa informação. Quero lembrar que nossos clientes não têm precatórios em sentido próprio, mas créditos decorrentes de sentenças transitadas em julgado, com decisão definitiva do STF, reconhecidas pelo Estado para pagamento através de ICMS de importação, portanto negociáveis com importadores.

O servidor que tem dinheiro a receber, em ação já julgada em defenitivo pelo Judiciario, deve proceder como?

Buscar junto ao Tribunal de Justiça.

Quem está habilitado ou credenciado a negociar a venda desses créditos em Alagoas?

Os créditos de nossos clientes, que não são precatórios em sentido estrito, qualquer pessoa pode intermediar a sua venda pelos servidores, desde que tenha acesso a empresas importadoras e de telecomunicações. O controle da venda, no entanto, é feito por nossos escritórios (Marcos Bernardes de Mello Advogados Associados e JFL ( Consultoria e Assessoria Jurídica).

Em Alagoas, por alto, quantos servidores têm direito a precatório e qual seria, estimativamente, a dívida geral do Estado com esse pessoal?

O número de servidores com direito a receber mediante precatórios propriamente ditos, não tenho como informar. Só o TJ pode fazê-lo. Mas, nossos clientes com créditos a receber são, aproximadamente, 25 mil servidores.

Por que há tanta dificuldade para se vender esses títulos de crédito dos funcionários públicos?

Apesar do esforço que fazemos para atrair empresas importadoras e de telecomunicações, são ainda poucas as que se interessam em instalar-se em Alagoas para realizar esse tipo de negociação, embora sejam operações altamente interessantes e vantajosas, financeiramente.

Onde reside o impasse?

Como é notório, em razão de alguns fatos havidos no passado, Alagoas ainda não conseguiu recobrar sua credibilidade junto à comunidade financeira nacional, notadamente entre boa parte do empresariado. Isso atrapalha muito, embora essa imagem de descrédito venha mudando nos últimos anos, com a austeridade implantada pelo governo no trato da coisa pública. Provavelmente esse é o fator mais negativo e prejudicial às negociações.

Por que muitos servidores têm direito a precatório e outros a ações transitadas em julgando, todas, porém, tratando de dívidas salariais?

A Fazenda Pública no Brasil goza de uma série de privilégios que lhe permite ser a rainha do calote. Seus bens são impenhoráveis. Os pagamentos a que é obrigada a fazer quando condenada na Justiça têm de obedecer ao regime de precatório. Veja-se o absurdo, com um exemplo: diz a Constituição que o Poder Público pode desapropriar um bem do cidadão por utilidade ou necessidade pública, ou interesse social.

Afora as desapropriações por interesse sociais para fins de reforma agrária, cujo pagamento é feito com títulos da dívida agrária, resgatáveis em até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão (CF, art. 184), se o Estado desapropria uma casa que constitui o único bem de um cidadão e o avalia por um preço abaixo do de mercado, depositando em juízo aquele preço, é imitido na posse do bem.

O proprietário, que foi obrigado a deixar o imóvel, contesta em juízo o valor oferecido e tem o direito de levantar 80% do valor depositado. Uma ação dessas leva alguns anos para que seja concluída.

Ministros do Supremo Tribunal já disseram que o não pagamento dos precatórios é uma vergonha nacional. Qual seria a saída para resolver esse impasse?

Uma breve explicação: qualquer crédito que alguém tenha perante o Poder Público, federal, estadual ou municipal, somente pode ser pago através de precatório que decorre da execução de sentenças transitadas em julgado. Quem está no sistema de precatório entra em uma fila, chamada ordem dos precatórios, e vai recebendo de acordo com a disponibilidade de recursos orçamentários destinados a esse fim.

E quando é salário atrasado?

Quando se trata de crédito de natureza alimentícia, como salário, eles têm preferência sobre os precatórios de outras naturezas, mas entre si a ordem deve ser observada. Está fora disso os créditos alimentícios de pequeno valor (no Estado de Alagoas, é assim considerado o crédito que não ultrapasse o valor do maior benefício pago pela Previdência Social, menos, portanto, de R$ 4 mil). Os que têm direito a receber remunerações através de precatórios, portanto, são os que executaram suas sentenças transitadas em julgado.

No caso dos créditos decorrentes de não pagamento de Gatilhos, URP e Trimestralidade, que é o dos nossos clientes, a transformação deles em precatório tornaria impossível o seu pagamento, em razão do seu montante, que representa mais de três vezes a receita anual do ICMS. Por isso, a solução de permitir que sejam cedidos a empresas importadoras e de telecomunicações, nas operações que ultrapassem o valor de suas operações normais nos últimos anos.

Essa é a melhor saída?

Com essa fórmula ganha todo mundo. O Estado porque paga uma dívida que jamais teria recursos para pagar, com receita nova, ou seja, sem perda de receita, uma vez que o ICMS de importação somente representava o insignificante percentual de 0,47% (quarenta e sete centésimos por cento) da receita de ICMS e os importadores que já operavam em Alagoas só poderiam beneficiar-se do sistema de pagamento do imposto com os créditos quando suas importações superassem as suas operações habituais e, quanto às empresas de telecomunicações, o imposto sobre as vendas de cartões quando seu valor fosse superior àquele que era pago antes da entrada em vigor da lei.

O servidor ganha porque, mesmo com o deságio com que vende ao importador, recebe uma dívida que não receberia nunca. E o importador, porque ganha, no pagamento do imposto, o valor do deságio com que pagou o crédito.

O governo deve e diz que não pode pagar. E aí, fica por isso mesmo?
Fica, como mostrei antes, porque o cidadão não dispõe de meios adequados para satisfazer seu direito, e o Judiciário de poder para impor suas decisões.

Quando tem a receber, o governo crava a faca no pescoço do contribuinte. Isso não desmoraliza o estado de direito?

Sem dúvida alguma. Esse tratamento desigual é imoral, a meu ver. A ‘faca no pescoço’ deveria ser nos dois.


 

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