“Pessoas devem ter cuidado com estudo que subestima obesidade”

Trabalho publicado nos EUA sustenta que pessoas gordas correm menos risco de morrer

18/02/2013 08:05

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Primeira Edição

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Comer além do normal e ganhar peso, é uma boa? Qualquer pessoa, em seu senso normal, dirá que não, mas um estudo divulgado nos Estados Unidos sustenta que o gordo corre menos risco de morrer do que a pessoa com peso regular. Entrevistada por Luciana Martins, do Primeira Edição, a endocrinologista alagoana Maria de Lourdes Gusmão alerta para que as pessoas tenham cuidado com esse tipo de informação.

Médicos disseram que o estudo deveria ir direto para a lata do lixo. A publicação também afirma o óbvio: “Quanto mais obesidade, maior o risco de mortalidade”. Na entrevista, Maria de Lourdes Gusmão faz detalhada exposição sobre a obesidade e seus efeitos e, no final, recomenda que as pessoas, nesse período de muito sol, optem por uma alimentação leve, à base de frutas e legumes, e tomem muito líquido, principalmente água.

Estudo recente, publicado nos EUA, revela que a pessoa obesa grau 1 corre menos risco de morrer do que pessoas com peso normal. Isso tem fundamentação cientifica?

Esse estudo foi publicado no JAMA (The Journal of the American Medical Association) no inicio de janeiro abordando a associação de taxas de mortalidade com sobrepeso e obesidade utilizando o IMC (Indice de Massa Corpórea – obtido pela divisão do peso pela altura ao quadrado) de quase 3 milhões de adultos. Pelo estudo, pessoas com sobrepeso ( IMC de 25 a 29,9 ) tem um risco de morte 6 % menor em relação aqueles com peso normal; na obesidade grau 1 ( IMC de 30 a 34,9 ) não foi observado risco aumentado de mortalidade, enquanto que na obesidade grau 2 ( IMC de 35 a 39,9 ) e grau 3 ou obesidade mórbida ( IMC >40 ) foi observado risco aumentado de 18 % de mortalidade comparado com pessoas de peso normal.

Por que o estudo gerou controvérsia?

Os resultados desse estudo foram recebidos com criticas por diversos centros médicos de renome científico, uma vez que o IMC é um bom indicador, mas não totalmente relacionado à gordura corporal, não distingue massa gordurosa de massa magra, podendo ser superestimados em atletas por maior massa muscular. Outras variáveis também devem ser consideradas como a medida da cincunferência abdominal (acúmulo de gordura na região do abdome, preditor de obesidade), níveis pressóricos, taxas de glicemia, lípides (colesterol, triglicérides).

Esse tipo de informação, publicada em veículo de alta reputação, pode estimular as pessoas a comerem mais? 

Com certeza, deve- se ter muito cuidado com esse tipo de informação. Devemos ter em mente que a obesidade está relacionada à maior risco de mortalidade e complicações ardiovasculares como infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) e co-morbidades como diabetes mellitus, hipertensão arterial, dislipidemias. Quanto maior o grau de obesidade, maior o risco de mortalidade e o estudo comprovou isso.

A redução do estômago, para pessoas com obesidade mórbida, é um método comprovadamente correto ? 

Sim, a cirurgia bariátrica é indicada e regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina para pacientes com obesidade mórbida (IMC > 40) ou naqueles com IMC acima de 35 com co-morbidades como apneia do sono, hipertensão arterial, diabetes. Deve ser considerada quando o tratamento clínico se torna ineficaz (no mínimo por 2 anos). Os seus benefícios, além da perda de peso, são remissão das doenças relacionadas à obesidade, diminuição do risco de mortalidade e melhora da qualidade de vida.

Por que as pessoas que fazem redução de estômago ficam com a aparência deformada, a exemplo do apresentador Fausto Silva, o Faustão da Rede Globo? 

As pessoas submetidas a cirurgia bariátrica apresentam maior risco de desenvolverem deficiências nutricionais pela limitação da ingesta e menor absorção de diferentes nutrientes. Com a perda de peso, há também um ressecamento da pele e redução da elasticidade (diminuição do colágeno, elastina) que contribui para o aspecto de envelhecimento e excessos de pelo.

O individuo que engorda demais e atinge a obesidade mórbida, pode voltar a ter o peso normal sem se submeter à cirurgia ? 

O tratamento conservador da obesidade através de mudanças no estilo de vida, dieta, atividade física, medicação geralmente são ineficazes quando se trata da obesidade mórbida. Vários estudos têm demonstrado que, mesmo com o uso de medicação, de cada 100 pacientes tratados apenas 34 conseguem uma perda ponderável de 10 % ao final de 12 meses; perda que é muito pequena considerando- se os obesos mórbidos. Além desses maus resultados na perda ponderal, observamos que o tratamento conservador falha na manutenção dessa perda de peso com o passar do tempo, e a maior parte deles recuperam o peso perdido ou até chegam a ultrapassá-lo após 5 anos de acompanhamento.

O que faz a pessoa engordar: má alimentação ou vida sedentária ? 

Os dois. A etiologia da obesidade é multi- fatorial, podendo estar relacionada a fatores genéticos, a maus hábitos alimentares, disfunções endócrinas como hipotireoidismo, sindroem de cushing, sedentarismo, fatores emocionais.

Medicamento é um recurso eficaz e saudável para se obter perda de peso ? 

Sim. O tratamento medicamentoso, além favorecer a perda de peso, contribui para melhorar as co-morbidades associadas à obesidade. Deve ser utilizado de forma criteriosa sob orientação médica, respeitando- se as suas contraindicações. Mas é importante lembrar que independente do uso de medicação é imprescindível mudança do estilo de vida, orientação dietética e incentivo à prática de atividade física.

A obesidade pode resultar de fatores genéticos? Filhos de pais gordos tendem a engordar também? 

Com certeza, estudos demonstram que filhos de pais obesos apresentam maior predisposição a se tornarem obesos. O risco de obesidade, quando nenhum dos pais é obeso, é em torno de 9 %; quando um dos pais é obeso, esse risco sobe para 50 % , atingindo 80 % quando ambos são obesos.

Se a pessoa comer de tudo e em grande quantidade, mas se fizer muito exercício para compensar, pode conseguir o equilíbrio ? 

Sim, mas devemos lembrar que, com o passar dos anos, há uma diminuição gradativa da taxa de metabolismo; a pessoa continua abusando de uma alimentação hipercalórica, mesmo mantendo a atividade física, a tendência é começar a haver um acúmulo de calorias na forma de gordura levando a um ganho de peso.

Nesse período de muito sol, qual alimentação mais saudável ? 

O mais recomendável é uma alimentação de fácil digestão, rica em fibras, frutas, verduras, cereais e aumentar a ingestão de líquidos, principalmente água.

 

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