E a tal Estrela de Belém, você viu?

22/12/2020 23:04

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Hugo Taques

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E A TAL ESTRELA DE BÉLEM, VOCÊ VIU?

Motivado por tantas reportagens, publicações nas redes sociais e uma certa curiosidade, hoje, logo hoje, resolvi querer ver a tal Estrela de Belém, de Natal, Estrela-Guia ou a conjunção dos planetas Júpiter e Saturno. Consultei dados astrológicos, astronômicos, meteorológicos e os pontos cardeais para ter o mínimo de informação e poder assistir ao milenar fenômeno envolto por tantos mistérios, afinal passaram-se 400 anos desde o seu último registro.

Era hoje ( e até a noite de natal) a única possibilidade nesta vida de poder ver a olho nu esse mega acontecimento interplanetário. Pensei em procurar um local privilegiado, ao ar livre, sem nenhuma barreira que pudesse atrapalhar o espetáculo, mas lembrei de uma posição hiper confortável e segura (vai escurecer e eu portando câmera fotográfica, lentes e acessórios ), “o quartinho da bagunça” no meu apartamento, ele está a oeste ou a sol poente. Foi onde montei meu observatório.

Tive que fazer uma limpeza, arrastar trecos e tarecos para instalar o equipamento fotográfico, não iria deixar passar em branco, sem nenhum registro, e como provar e compartilhar nas minhas redes!? Montei o tripé e fixei a câmera com uma boa teleobjetiva, ajustei as configurações, fiz uns testes, tudo ok. Ainda eram 17h20, o horário do pôr do sol, nesta terça-feira -22, seria às 17h43, ainda tinha um tempinho para preparar o ambiente e ficar bem confortável.

Improvisei uma mesa, coloquei o notebook, ainda tinham algumas pesquisas a fazer sobre a tal estrela e, claro, em tempo real, ver o que estava acontecendo pelo mundo.

Para ficar mais interessante, abri um Jack Daniel’s. A primeira dose foi sem gelo, desceu gostoso, limpando a serpentina. Ainda preparei um tira-gosto de queijo, azeitona e amendoim.

Tudo pronto para assistir ao espetáculo! Dei uma rápida olhada para o céu, ajeitei-me confortavelmente na cadeira, liguei a câmera e o notebook. Com o queixo apoiado no antebraço dei uma geral lá embaixo, no quintal do vizinho, na rua, nos terrenos baldios incorporados, tudo muito descuidado, pombos em revoadas, trânsito caótico, prédios novos sendo levantados ao entorno e muito barulho, das crianças, dos carros, das máquinas nos canteiros de obras, e do carro do ovo que passava no momento. Mas nada incomodou, minha atenção estava lá pro alto, no horizonte, no pôr do sol, na Estrela de Belém.

17h40, faltavam 3 minutos, dei mais um gole e fui para a câmera mirando para o firmamento. O sol antes de se esconder deu um show de cores, a hora mágica ou hora dourada, como chamamos na fotografia, estava divinamente linda, uma profusão de cores avermelhadas, mescladas com amarelas, alaranjadas, marrons, nuvens brancas, cinzas claros e escuros, contrastando com um azul celeste que variava de tom a cada piscada de olho. Um encanto! Não recordo ter olhado e visto um céu tão colorido e esplendoroso. Preciso olhar mais para o alto, ir mais a esse “ quartinho da bagunça” ficar na sua janela e contemplar os espetáculos oferecidos pelos crepúsculos vespertinos do nordeste brasileiro.

Só esse show do final de tarde propiciado pelo astro rei, já pagou o ingresso. Se nada mais acontecesse de interessante eu já estaria feliz e satisfeito. A natureza é incrível e imprevisível, criou um cenário magnifico de cores e luzes, me encantou, me emocionou e me fez acreditar que o que viria depois seria inesquecível. E Foi!

Não sei de onde veio, não vi chegando, mas de repente, entre a minha janela e o sol poente surgiu um CB, ( aprendi essa sigla quando voava de mono ou bimotores pelo interior de Mato Grosso em épocas de campanhas eleitorais; presenciei várias vezes pilotos cancelarem voos, ou já em pleno ar, abortar ou desviar rotas. Apavorante! Acho que foi dai que originou uns surtos de pânicos e/ou claustrofobia que tenho de vez em quando. CB, na linguagem da aviação, são formações nebulosas com grande desenvolvimento vertical – cumulonimbus – ). Isso mesmo, surgiu do nada uma espessa nuvem negra, carregada, que nem movia direito depois que estacionou ali, parece que propositadamente. Foi um banho de água fria, até o whisky que já estava fazendo efeito, zerou. Dei dois grandes goles em seguida. Comecei a ficar nervoso, a maldita nuvem negra pairou no ar e não arredava o pé da posição, parecia zoar comigo, mudava de formas, foi um dragão, transformou em um barco, depois em um bicho alado e em outras figuras, mas não ia embora como é normal das nuvens boazinhas. A danada até chegou a afinar um pouco, parecia que ia se dividir em várias menores, mas um vento juntou tudo outra vez. Quando estava se dividindo, já passava da hora do pôr do sol, estava escurecendo, era o momento que provavelmente daria para ver, a olho nu ,os dois planetas bem próximos. Vi um, não sei qual, tive esperança do CB se dissipar e dar para ver o outro, Juro, ainda tentei dar uma forcinha enchendo o pulmão de ar e assoprando várias vezes, em vão. Fui tomado por uma sensação de impotência, de frustração, de raiva mesmo. Tomei mais uns goles, cruzei os braços e fique observando. E nada! Já estava escuro, passavam mais de 30 minutos do horário previsto. E por incrível que possa parecer ela não foi embora, muito pelo contrário, vieram outras menores que se juntaram aumentando o tamanho.

Blackout, o sol apagou, agora as luzes da cidade iluminavam os céus, sinalizadores vermelhos do alto dos prédios piscavam intermitentes, faróis cruzavam ruas tecendo imensas teias luminosas, moradores dos prédios começavam acender lâmpadas nos apartamentos, sons estridentes de buzinas e sirenes no caótico trânsito faziam trilha sonora para minha cena solitária de decepção e frustração. Eu nunca me interessei por “conjunção carnal” de planetas, nem sabia que existia; Estrela de Belém, de Natal, Estrela-Guia, só nos contos bíblicos como estórias natalinas. Mas, poxa, eu queria ver, me preparei, fiz tudo certinho e aparece essa nuvem negra teimosa, debochada e preguiçosa que nem saiu do lugar, para atrapalhar meus planos. Não vou mais poder ver esse fenômeno, pelos menos nos próximos 400 anos.

Não faz mal, eu nem queria mesmo! (“hic”)!

Primeira Edição © 2011