Polícia Federal: operação válida, com divulgação desastrosa

24/03/2017 18:35

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Romero Vieira Belo

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Não há notícia de uma comunicação tão desastrada na história da Polícia Federal, desde a redemocratização. O anúncio da Carne Fraca não apenas desintegrou o sistema de exportação de carnes do Brasil – um dos maiores do mundo – como pôs em cheque o próprio conceito de competência da Polícia Federal.

Ao afirmar que se tratava da maior operação da história da instituição, a Polícia Federal infundiu em todos a convicção de que o país estava diante de uma organização criminosa terrível, descomunal. A sensação transmitida foi de que os brasileiros vinham consumindo carnes deterioradas. Pior: que o sistema de produção da carne nacional – aí incluídos bovinos, suínos e ovinos – estava comercializando produtos contaminados, adulterados, apodrecidos, enfim, produtos imprestáveis para o consumo. E de forma generalizada, o que agravou a situação.

O aparato empregado também foi incomum: mil e cem agentes federais mobilizados para, ao final, exibir um saldo de 25 presos preventivos e onze temporários. Estes, aliás, começaram a ser liberados já no meio da semana, dado que nenhum teve preventiva decretada ou, ao menos, a prisão temporária prorrogada.

Criou-se a expectativa de uma fissão nuclear e, no final, viu-se que o petardo tinha a dimensão de um estalo-de-bebê. Nunca, tantos saíram em busca de tão poucos. Mesmo porque, vale assinalar, a maioria dos mandados foi de busca e apreensão.

As vendas do setor, claro, despencaram, praticamente zerando. Lá fora, dezenas de países suspenderam as compras. Aqui, as demissões, inevitáveis em tais situações, elevaram rapidamente as estatísticas de desemprego que assola o país.

No primeiro momento, pelo que a PF divulgou, inferiu-se que apenas dois partidos recebiam recursos do setor – o PMDB e o PP. Logo a mídia saiu em busca de informações e constatou outro cenário: na campanha eleitoral de 2014, o sistema repassou 393 milhões de reais para partidos políticos. E quem liderou as doações não foi o PMDB nem o PP, mas o PT de Lula e Dilma.

Com o estrago feito – e sem que um único consumidor brasileiro tivesse vindo a público denunciar mal-estar pelo consumo de carne – eis que a direção da Polícia Federal, sem admitir a tremenda ratada, assinou conjuntamente com o Ministério da Agricultura uma nota de esclarecimento em que afirma:

“Embora as investigações da Polícia Federal visem apurar irregularidades pontuais identificadas no Sistema de Inspeção Federal (SIF), tais fatos se relacionam diretamente a desvios de conduta profissional, praticados por alguns servidores e não representam um mau funcionamento generalizado do sistema de integridade sanitária brasileiro. O sistema de inspeção federal brasileiro já foi auditado por vários países que atestaram sua qualidade. O SIF garante produtos de qualidade ao consumidor brasileiro”.

Uma pena. Como que tentando consertar os danos imensuráveis e irreversíveis, o comando da Polícia Federal acabou por assinar um texto que mais pareceu anúncio de televisão.

Quando a nota foi divulgada, o volume de venda de carnes brasileiras para o exterior tinha chegado a míseros 70 mil reais. Antes do estalo-de-bebê, a média diária era de 60 milhões de dólares. O esclarecimento, portanto, veio tardio e inócuo. Serviu, no entanto, para ensejar uma indagação muito simples e oportuna: por que a Polícia Federal, prudente e responsavelmente, não publicou a ressalva exatamente na hora de trombetear a operação?

 

Primeira Edição © 2011